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Para caso eu esteja trocando de roupa

Afora as questões artísticas trazidas por cada ator nas suas investigações corporais autônomas foi criada com a pesquisa uma cena: Para caso eu esteja trocando de roupa. O esboço de cena trouxe, enquanto coletivo, dois questionamentos principais que direcionaram as práticas experimentais que desenvolvemos para chegar ao esboço que apresentamos: Como criar um material cênico em que a ação corporal do ator seja o estímulo e o elemento mínimo da estruturação dramatúrgica desse material? E sobre esta estruturação dramatúrgica, como organizá-la resistindo aos modelos e argumentos estruturais oriundos das outras áreas artísticas afins – como literatura e música – para entender melhor como o próprio corpo em ação fornece tais estruturas, e por isso explicita, em nossa opinião, uma escrita cênica, ou uma escrita de ator. Não queremos de maneira alguma negar a contribuição da música, da literatura e das artes visuais ao oferecerem suas estruturas para o fazer do ator, mas é que elas, na compreensão desta escrita cênica que estamos adotando, confluem no corpo. Não são dados para os quais o corpo se torna um veículo. Essa segunda questão vem em virtude desse pressuposto: O corpo agindo é confluência, não é via. O movimento do corpo é. Não representa nem referencia nada. Está nele, em nossa opinião, a matriz de dramaturgia, a matriz de simbolização. Estudando sua ação é possível se colocar “à escuta de si mesmo, onde se pode ouvir a repercussão do eco do mundo[1]”. 

 

A escrita cênica nada mais é que o modo como cada ator age (e por isso como se utiliza artisticamente de seu corpo) quando está criando, improvisando, ou organizando qualquer percurso espaço-temporal artístico. O princípio de criação então parte de uma edição dessas escritas cênicas. Mas não estamos interessados em decodificá-las. De outra forma, tentamos selecionar alguns códigos que se atrelaram, no momento em que foram concebidos, a diferentes características afetivas suscitadas em cada ator individualmente e na relação com o jogo cênico. Isto nos serve para decidir quais recortes específicos das improvisações e quais relações entre esses recortes vamos fazer, editando assim as cenas ou os fragmentos que compõem o rascunho de cena.

 

Tendo estabelecido tais códigos avaliamos se a existência deles é capaz de dar fluxo ao jogo cênico, ao modo de transitar afetivo de cada ator no coletivo. Se sim ele conforma-se a estrutura dramatúrgica que vai se criando. No entanto, isto não acontece de modo linear, às vezes o que nos pareceu um início de cena nos primeiros esboços estruturais virou mais a frente o meio ou o final dela em virtude de novas edições. Contudo, sempre há uma preocupação de que pelo menos em cada edição se feche uma estrutura de inicio/desenvolvo/finalizo a que as investigações chegaram. Espécies de roteiros. O modo como os fragmentos e/ou códigos de jogos temporários vão se estruturando não é uma aglutinação de partes numa linha, às vezes um código é um percurso inteiro de inicio/desenvolvo/finalizo que sobrepomos a algum outro material que vínhamos fazendo. Isto confere a criação uma característica de camadas.

O interesse no código é quando o ator está de posse dele e o que desta relação mobiliza-o para a expressão. O código aqui não existe para organizar uma idéia prévia de dramaturgia ou de linguagem etc. A relação que nos interessa remonta, num microcosmo, a relação do individuo com a cultura, que basicamente opera no estabelecimento e rompimento de códigos. Entender o corpo do ator em ação é compreender também o seu trânsito de ação nos padrões sociais que lhe são impostos.

[1] WIGMAN, Mary. Citada por BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente: tradução Marina Appenzeller. – 2.a edição – São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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